quinta-feira

Brinquedos Afiados...

Quando as lanternas se apagarem - Parte 2

Era um dia ensolarado. No jardim, a pequena Eva brincava de casinha com sua boneca. Mas os vizinhos gritavam muito. Muitos carros estavam passando na rua aquele dia, o que estava acontecendo? Na garagem, um motor desligando. Passos apressados atravessando a casa, até saírem no jardim.
- Eva! Venha querida! Nós temos que ir!
O que mamãe fazia em casa tão cedo? E para onde estavam indo?
- Onde vamos? - Perguntou a menininha de cachos negros.
- Vamos embora! - Um toque de celular - Vamos ficar com o vovô no sítio... - Outro toque de celular, então mamãe atendeu - Alô? Oi. Não, ainda não! Estou em casa, pegando a Eva! -Seus olhos se enxeram de fúria - Eu não podia deixá-la, é minha filha! - Lágrimas escorriam - Não, não fico de jeito nenhum! A cidade está infectada! Se alguém dos arredores morrer... Oh Deus, como isso pode estar acontecendo?!
Por que mamãe estava chorando?
Por que todos estavam correndo, os carros seguindo uma única direção?
Eva? Eva?


Eva balançou a cabeça, espantando a memória ruim. Respirou fundo, esperando manter os últimos fios de coragem para apertar os gatilhos.
Joseph e Edward mantinham o olhar fixo no açougue, seus rifles levantados à altura dos olhos.
Os gemidos se aproximavam, agora formando vultos.
Eva abaixou-se, desligando a lanterna de Joseph. Deviam permanecer na escuridão, dar o mínimo de pistas possível de como serem localizados; se ainda não tinham sido notados, tinham a mínima chance de fugir despercebidos. Mas se tivessem sido, acima de tudo, deveriam permanecer unidos; uma vez que os tiros começassem, ELES poderiam vir de qualquer lugar; e uma ferida profunda seria pior ainda: atrairia multidões deles, assim como açucar atraindo formigas. Mesmo que corressem, ELES correriam atrás; pior: eram mais rápidos.

Gemidos menores.

Passos pesados avançando pelo açougue.

Isso era mal. Não estavam andando aleatoriamente, estavam seguindo uma direção. Se fosse a
errada, ainda teriam chance de fugir furtivos...

Uma pegada úmida. Uma mão apoiando-se numa plataforma e tomando impulso.
Estavam passando por cima do balcão do açougue. Era pior do que Eva pensava: estavam seguindo AQUELA direção.

Tudo estava escuro; desde que Eva desligara a lanterna, suas pupilas ainda não haviam dilatado o suficiente para enxergar na penumbra. Os vultos perambulando pelo corredor, os passos mais pesados, os gemidos mais altos; estariam a uma distância de uns 12 metros e avançavam. Era muito perto, não tinha como errar: estavam indo para lá. Sentiram o cheiro de algo e se aproximavam para verificar se esse algo ainda era capaz de sangrar; mas nenhum dos três queria sangrar aquele dia.

As três lanternas instaladas nas armas foram acesas; e as luzes banharam a multidão de quinze zumbis que avançavam pelo corredor.

- Fogo! - Gritou Joseph.
O barulho que se seguiu foi indistinto; uma espiral de explosões dos tiros, dos urros famintos e dos gemidos dos atingidos. Os passos pesados aceleravam.
No centro, Eva atirava com apenas uma de suas submetralhadoras. Ed e Joseph seguravam firmemente os fuzis M16 ao lado dela, seus olhos frios em suas vítimas.

Edward recuou dois mínimos passos. A ponta de seu fuzil piscava com as balas que saíam desesperadas para acertar os zumbis; uma massa de corpos que avançava freneticamente, seus olhos e dentes brancos brilhando nos flashes de tiros.

Mais zumbis vinham do açougue.

A munição de Joseph acabara.
- Eva! - Gritou ele - Cobertura!
Bastou ela erguer a outra mão, carregando a outra submetralhadora e as luzes no supermercado se tornaram mais intensas.

Os suor escorria em seus rostos.
No chão, as carcaças que não conseguiam mais levantar se tornavam mais numerosas; poças e espirros de sangue coagulado, velho davam um vermelho sinistro no caminho. Menos e menos zumbis apareciam no açougue; fora uma vitória fácil, sem deixar qualquer um se aproximar mais do que 4 metros.

Joseph recarregara seu fuzil e acertou mais quatro tiros, derrubando um zumbi que pulava o balcão do açougue. Atrás deste, vinham mais.

Mais, sempre vinham mais.

Mais urros, mais gemidos. Mais do que esperavam.

As balas perderam velocidade. Os sons ficaram mudos. Eva ouvia apenas seu coração subindo pela garganta enquanto a conclusão e o desespero inundavam seu corpo. Os urros e gemidos vinham de mais de uma direção.

Do lado direito do trio, o vidro da porta se estilhaçou.

O som dos urros tornou-se insuportável.

Edward, que ficava do lado direito, virou-se para atirar nos que avançavam pela lateral; mais de vinte; e suas balas estavam acabando.
Ele moveu-se alguns passos para o lado, abrindo espaço para seus companheiros ganharem mobilidade.

A massa frenética que vinha pela direita chegava mais perto; poucos caíam pelos tiros de Edward; nove, oito, sete metros...

- Joseph! - Gritou Edward com toda a força de seus pulmões.
Eva moveu-se para frente, mantendo as duas submetralhadoras erguidas. Derrubava dois, três, quatro zumbis nos fundos do açougue; sangue coagulado espirrava pelo corredor; Joseph cessou os tiros, apenas para virar para sua direita, avançar dois passos por trás de Eva até chegar ao lado de Edward, e então acertar três tiros na cabeça de um que estava a menos de cinco metros.

Apenas mais dois zumbis avançavam pelo açougue; no entanto, pelo flanco direito eles chegavam a distâncias assustadoramente próximas.

As balas de Edward acabaram.

- Eva! - Ele gritou - Cuida daqui!
A distância entre os zumbis e as submetralhadoras aumentava; isso piorava sua eficiência. Eva baleou mais um zumbi, então ergueu as armas e correu para o lugar de Edward.

Ele suava recarregando seu fuzil. No fundo do açougue, três urros famintos e logo, passos desesperados avançaram pelo corredor.

Estava na metade do processo. Ele conseguiria antes de chegarem.

Cinco metros.

Faltava pouco, estava quase recarregada.

Três metros.

Fora um erro ficar ali.

- EVA! - Gritou Edward em pânico.

Eva abriu os braços, direcionando o esquerdo para o corredor do açougue enquanto mantinha o direito no flanco. Por uma fração de segundo, ela viu os três zumbis numa distância apavorante de Edward. Sua submetralhadora disparou contra o mais próximo, abrindo fileiras de furos em sua lateral e espirrando sangue coagulado.

O fuzil estava pronto. Edward ergueu-o a tempo de balear o zumbi que já estendia os braços para pegá-lo, abrindo enormes furos em seu tórax.

Eva voltou sua atenção para o flanco, baleando outro que estava a menos de seis metros.
Os zumbis soltavam gemidos úmidos enquanto caíam para trás.

Edward se virou para atirar no segundo...

O grito gelou o coração de seus companheiros. Eva ousou olhar para trás e seus olhos foram hipnotizados pelo terror.

O terceiro zumbi mordia freneticamente o ombro esquerdo de Edward, que atirava desesperadamente para frente enquanto perdia o ar dos pulmões nos gritos de dor; juntou com toda a sua força os mais fracos fiapos de controle e acertou sete tiros descoordenados na barriga do adversário faminto.

O zumbi soltou um gemido que minguou conforme ele caiu seco; Edward despencou de joelhos.

No flanco, o cheiro de sangue fizera os zumbis enlouquecerem; os últimos cinco avançaram da rua, indo direto na direção de Edward; tiros nas pernas, nos tórax e nas cabeças, e antes deles cairem, Eva e Joseph já corriam ao socorro do companheiro.
Ed estava encharcado de suor, sua respiração pesada.
Eva acendeu sua lanterna de mão, mirando o feixe de luz para o ombro ferido; uma enorme marca de mordida dilacerava a carne, pele e tecido, cercada por uma extensa mancha de sangue. Joseph já corria para pegar sua mochila.
- Isso... Vai... Atrair... Uma... Centena... Deles... - Falava Edward, olhando aflito para Eva.
- Nós vaos sair dessa, Ed! - Mas os olhos dela estavam vidrados de desespero.
Joseph voltou correndocom uma seringa carregada de um líquido violeta.
- Isso vai doer no começo, parceiro, mas vai te aliviar em alguns minutos - E antes que Edward pudesse falar algo, Joseph espetou a seringa na mordida, descarregando todo o líquido.
Edward urrou de dor; Joseph tomou distância; Eva permanecia com o olhar fixo em Edward, seu parceiro tão controlado se debatendo de dor.
- Isso vai livrá-lo da infecção, mas ainda precisamos limpar o sangue! Precisamos pensar rápido em como sair daqui! - Falou Joseph, interrompendo os pensamentos de Eva.
Eva pensou, sem tirar os olhos de Edward.
- Iremos para a estrada. Podemos procurar carros parados e atirar à distância. Com o efeito do antídoto, o sangue estancará em algumas horas...
- Precisamos de mais do que isso Eva! - Interrompeu Joseph - Será pelo menos uam centena deles!
Ela não desviava os olhos de seu parceiro, seus olhos desesperados com um fraco brilho de esperança.
- Nós temos que conseguir!


Edward aos poucos se acalmava. Parara de se debater e não gritava mais de dor; sua respiração ainda estava pesada. Eva e Joseph terminavam de colocar os mantimentos nas mochilas; na rua, urros e gemidos ecoavam de cantos diferentes.
- Me deixem... - Suspirou Edward.
Joseph, o mais próximo, respondeu sem olhar para ele.
- Não seja ridículo! Não vamos deixar você aqui! É nosso companheiro!
Edward soltou uma risada forçada.
- Não posso ser responsável pela morte de vocês!
- Nem nós pela sua! - Interrompeu Eva - Vamos avançar pela estrada e pegar cobertura! Em algumas horas...!
Os urros e gemidos se tornaram mais intensos. Estavam se aproximando.
- Me deixem! - Insistiu Edward - Posso servir de isca! Darei tempo a vocês!
Eva olhava fixamente para Edward, seus olhos se perdendo em um futuro incerto.
Na rua, já era possível ouvir os passos correndo para o supermercado.

Continua...

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