quinta-feira

Brinquedos Afiados...

Quando as Lanternas se apagarem - Parte Final


Edward cuspiu um pouco de sangue que se juntara na sua boca, e em seguida abriu um sorriso. O grande Edward, aquele sujeito que sobrevivera desde os primeiros dias da infestação; frio, preciso, militarmente quieto. Outro sorriso, dessa vez, remetente à uma lembrança. 'Se algum dia eu puder escolher como vai ser minha última visão nessa vida, quero que seja o pôr-do-sol'. Irônico. A Infestação não tornara o pôr-do-sol impossível; na verdade, os dias eram iguais aos de antes. Iguais? Talvez não... Edward mal se lembrava como eram os dias de antes. Lembrava que tinham paz, que podiam deitar-se em suas camas todas as noites para longas horas de sono, sem medo do escuro. Dinheiro era a única coisa que movia o mundo, e era possível encontrar pessoas em todos os lugares.

Depois da Infestação, tudo isso mudou: Sobrevivência era a única coisa que os movia; encontrar outras pessoas aos poucos parecia impossível; e o escuro era o que mais temiam. Edward entendera isso rápido, e logo se adaptou ao mundo. Viveu cada um desses dias confiante em suas habilidades esperando viver para uma reviravolta do amanhã ou morrer vendo o pôr-do-sol.

Nenhum dos dois aconteceria.

Edward começou a ouvir os urros que vinha da rua. Mais urros. Os últimos foram baleados pelas pessoas que ele amava, e era para salvá-las que ele estava ali.

Passos começaram a correr na rua em direção ao supermercado, e Edward olhou, com um sorriso esperançoso, a granada em sua mão.

Não eram mais poucos passos. Eram dezenas. E logo, passaram para centenas. Todos famintos, correndo para seu objetivo: carne fresca e indefesa; Edward. Ele apenas esperava. Não estava ansioso, pois sabia como tudo acabaria. Apenas se perguntava como seria do outro lado; será que lá ele encontraria outras pessoas? O seu pôr-do-sol que não receberia agora? De uma maneira, estava feliz, pois estava dando chance para quem ele amava.

Isso era um motivo nobre para morrer.

Quando as centenas de passos invadiram a rua do supermercado, avançando metros na corrida, Edward soltou o pino da granada.

- Boa sorte, meus amigos - Sussurrou ele com o último sorriso no rosto.


Correndo na estrada, a kilômetros da cidade, Eva e Joseph ouviram a explosão. Seus rostos estavam úmidos de lágrimas.


- Joseph! - Gritou Eva - Cobertura!

Joseph metralhou mais dois e foi para o lado de Eva, enquanto ela trocava as munições das suas submetralhadoras Uzi. Como tantos podiam ser atraídos de uma única vez? Eram centenas, que avançavam pela estrada, pelas montanhas e pelos carros. Vinham de todas as direções. A situação rapidamente se tornava assustadora: se fossem cercados, seria o fim.

Joseph avistou um grande número se aproximando. Metralhou mais um na cabeça, então soltou o pino e lançou uma granada. A explosão lançou pedaços de carne morta e sangue

coagulado por toda a estrada. Eva recarregou as submetralhadoras a tempo de balear três que se aproximavam pelo flanco direito. Joseph virou o corpo e abriu fogo contra mais quatro que avançavam por trás deles; Eva subiu em um dos carros, atirou em mais dois nas pernas, abriu furos na cabeça de mais um...

E então ela o viu.

Seus olhos se arregalaram, o terror afogou suas palavras. Perderam-se por alguns segundos em seu estômago, antes de voltarem á tona num ataque de pânico, gritando por Joseph.

- Não posso agora, Eva! - Respondeu Joseph acertando mais dois que chegavam a menos de dois metros dele.

- Joseph! É um gigante! - Gritou Eva

Todos os músculos de Joseph travaram como se todos os seus vasos sanguíneos tivessem congelado. Quando os zumbis simples já eram motivo para pânico, a Infestação também trouxe mutações em alguns, distorcendo seus músculos e moldando-os em tamanhos descomunais. Eram massas de músculos e gordura, capazes de investidas tão fervorosas quanto um touro atacando. Um desses era capaz de matar dezenas de homens. Sua pele era excepcionalmente áspera, tornando até duas submetralhadoras Uzi não muito mais efetivas do que lançadores de agulha.

O ataque massivo de zumbis continuava; eram intermináveis. Joseph pediu cobertura de Eva para recarregar, enquanto pensava em algum plano para matar o gigante. Mas tinha que ser rápido.

O urro ensurdecedor do gigante ecoou na estrada. Ele inclinou seu tronco deformado e desproporcional de músculos e gordura para frente e começou a investida.

Mais zumbis avançavam junto com ele; os que ficavam em seu caminho, eram pisoteados, deixando apenas um rastro de carne esmagada e ossos quebrados.

Eva metralhou mais alguns, enquanto sua cabeça pensava desesperadamente num plano; e ao primeiro feixe de luz, ela gritou.

- Joseph, corra para longe dos carros!

O gigante se aproximava, sete metros.

Joseph metralhou mais um zumbi, enquanto pulava por cima de um dos carros.

Quatro metros.

Eva metralhou a cabeça de mais um, os dois pinos caíram ao chão.

Um metro.

Eva girou o corpo, encolhendo-se para se jogar para longe. O gigante investiu contra o carro

que ela estava a um segundo atrás...

E as duas granadas explodiram.

Eva foi lançada para longe. A explosão pegara a parte de trás de seu corpo, além de estilhaços que perfuraram sua pele. Ali, jogada no chão, ela mal podia se mexer.

Todas as imagens eram turvas; lentas. Aquele não fora o melhor dos planos, mas era o mais eficiente. Algo em sua cabeça gritava para ela se levantar e fugir, que estava em perigo; mas qual era o perigo mesmo? À sua frente, ela via novamente o jardim de casa, sua mãe parada na porta olhando sua pequena garotinha brincar. Mas também tinha uma voz familiar que não deveria estar ali.

Joseph.

Joseph? Seu amigo gritava o nome de Eva, o barulho de tiros e urros. Tudo parecia uma realidade distante agora. Aqueles urros não pareciam assustá-la mais. Eva sentiu que alguém a pegava nos braços; mas sua mãe estava parada na porta. De quem eram aqueles braços, suados, quentes? Ela ouviu Joseph gritar seu nome mais uma vez.

- Joseph... - Ela falou, surpresa por ver que sua voz não tinha força para sair da garganta - Fique... Bem...


À sua frente, estava mais uma cidade. Joseph tomou o último gole de água e jogou a garrafa longe. Ele não sabia como estaria a cidade. Podia estar tão infestada quanto a última, ou talvez menos, ele não teria chance sozinho. Abaixou a cabeça. Mas tinha que continuar. Não era justo com seus amigos que se sacrificaram para que ele chegasse tão longe... E se rendesse tão facilmente. Mesmo sozinho, ele tinha esperança. Talvez ela não durasse mais do que uma semana, assim como sua sanidade quando ele entendesse que não existia mais ninguém para conversar e tornar o dia seguinte um pouco menos assustador.

Tinha mantimentos para mais três dias; o ideal seria se encontrasse um supermercado.


Fim.

quarta-feira

Além do visual...


Nem há muito o que comentar;
Eras inteiras passam em questão de segundos, mas certas amizades sempre sobreviverão. Por mais diferentes que as duas pessoas sejam, de alguma maneira elas se entendem; acima disso: se apóiam.
Esse acaba ficando um post muito pessoal, mas preferi dividí-los com vocês para mostrar:
Amizades existem. Umas podem ser mais calorosas e afetivas do que outras, mas isso não as faz menos poderosas. Amigos existem independentemente de quem nós somos, a roupa que vestimos ou a música que ouvimos...
Louvem seus amigos. Eles são os personagens de suas histórias.

(Acessem também ~> http://helpingdc.blogspot.com/)

Monstruosidades...

Chapeuzinho Vermelho

Era uma vez, além das montanhas, uma doce menina de cabelos d'Ouro que sempre usava um velho capuz sobre a cabeça. Mamãe, ele precisa de costura; e retalhos cor de maçã nomearam-na:
Chapeuzinho Vermelho.

Certa tarde, mamãe chamou chapeuzinho. Disse-lhe que era para levar uma cesta de geléias para a casa de sua avó; mamãe parecia triste.
- Do outro lado da floresta? - Perguntou Chapeuzinho
- Sim filha. Mas preste atenção: deve chegar lá antes do anoitecer! Não saia da trilha, cuidado com as árvores e não converse com estranhos.

Chapeuzinho vestiu seu capuz, apanhou a cesta e seguiu seu caminho. A trilha era iluminada pela luz do sol; todo o resto da floresta era banhado pela escuridão. Num cantinho da trilha, uma coloração roxa chamou a atenção de Chapeuzinho.
- Violetas! - Animou-se ela, e logo começou a colher. Uma aqui, outra ali; e, aos poucos, a trilha e a luz ficaram para trás.
"Que faz por aqui, menina"
Chapeuzinho assustou-se com a voz grossa; olhando em volta, ela encontrou um sapo gordo, de olhos esbugalhados à beira de um brejo.
- Estou colhendo violetas - Respondeu Chapeuzinho, pouco à vontade; o sapo coaxou.
Chapeuzinho teve um estalo; assustada, começou a procurar a trilha e a luz que deixou para trás, mas aos poucos, a frustração começou a afogá-la.
- Acho que me perdi - Falou Chapeuzinho; O sapo coaxou.
"Cuidado! Cuidado!"
- Não se preocupe, senhor. Chamarei se precisar - Respondeu Chapeuzinho
"Já vai escurecer. Que tem na cesta?"
- Geléia para minha avó que mora do outro lado da floresta - Respondeu Chapeuzinho, olhando para a cesta.
"Então corra para chegar antes"
- De anoitecer...? - Perguntou Chapeuzinho, mas o sapo não estava mais lá.
Chapeuzinho começou a perambular pela floresta procurando uma saída. Aos poucos, chiados e cantos assombrosos cresciam ao seu redor. Os poucos feixes de luz que desciam começavam a enfraquecer. Chiados, flaps de asas, e a luz enfraquecia. Chiados, olhos brilhantes e a luz enfraquecia. Enfraquecia, até morrer.
"Que faz por aqui, menina?"
Chapeuzinho deu um pulo. Começou a procurar de onde vinha aquela voz fina; pousada numa árvore, estava uma enorme mariposa branca, com pó caindo de suas asas.
- Estava colhendo violetas e me perdi - Respondeu Chapeuzinho, mal sentindo a voz sair de sua boca; a mariposa não se mexeu por um longo tempo, então bateu as asas.
"Agora é tarde! É tarde! Cuidado"
- ...Se precisar, chamarei senhora - Respondeu Chapeuzinho confusa.
"Escureceu porque é tarde! Que tem na cesta?"
- Geléia para minha avó, ela mora do outro lado da floresta... - Respondeu Chapeuzinho, dando dois passos para trás e procurando novamente a trilha.
"Pois agora não adianta mais! Suas flores já morreram, menina! Antes você não chega! Não fale com ele, logo todos saem por aí..."
- Obrigada... - Interrompeu Chapeuzinho; mas a mariposa não estava mais lá.
A menina encolheu-se e levou um susto quando olhou para as violetas que colhera há horas atrás; estavam mortas. Ela jogou-as longe e começou a choramingar.
- Quero mamãe...
Logo, a floresta começou a farfalhar. Os chiados e gemidos diminuíram, mas o farfalhar aumentava.
- Estou com medo... - Choramingou a menina; mas a floresta apenas farfalhava, com chiados baixos. Como ela queria estar em casa, como queria estar longe daquele lugar horrível. De onde vinham tantos chiados, tantos barulhos? Quantos estariam observando a menina chorar naquele minuto?
As árvores abriram seus olhos, brilhantes como vagalumes; e um uivo ecoou.

"Que faz por aqui, menina?"
Chapeuzinho estremeceu quando ouviu a voz faminta e viu o horror que saía atrás das árvores; era um lobo enorme, velho e caolho, com uma longa cicatriz no rosto.
- Estava - Gaguejou Chapeuzinho - Levando geléias para minha avó...
"E onde ela mora?"
- Do outro lado da floresta - Respondeu Chapeuzinho sentindo seu coração subir pela garganta.
"E se perdeu? Ora... Que infeliz acaso..."
O lobo começou a sorrir maliciosamente.
- Pode me ajudar? - Perguntou Chapeuzinho, o suor descendo o rosto.
O lobo apenas levantou o focinho para uma direção.
"Siga sem desviar"
Chapeuzinho agradeceu mais de uma vez, antes de correr para a direção indicada.

O lobo sorriu. Correu por um outro caminho, desviando de galhos secos e chegou à casinha de madeira da vovó. Bateu na porta e esperou.
"Quem é?" perguntou uma voz fraca vinda de dentro da casa.
"Sua netinha"
"Ora, entre querida! Boa é a hora que vem!" respondeu a velhinha.
O lobo entrou, espreitando-se pela soleira iluminada; passou pela sala limpa, pelo corredor branco e entrou no quarto arrumado da velhinha. Um grito muito fraco ecoou pela casa; descendo a colina, vinha Chapeuzinho.
Ao se aproximar da casa, a menina estranhou a porta semi-aberta. Bateu uma vez mesmo assim.
- Vovó? É a sua netinha, Chapeuzinho Vermelho. - Ninguém respondeu.
Chapeuzinho empurrou a porta, e entrou na soleira, estranhando por estar escura. Passou pela sala sem ver as pegadas, pelo corredor sem ver as manchas de sangue.
- Vovó, como sua casa está desarrumada! - Falou Chapeuzinho.
Nenhuma resposta; Chapeuzinho começou a ficar enojada.
- Vovó, como sua casa está fedida! - Falou Chapeuzinho, tapando o nariz; mas ninguém respondeu. Do quarto da vovó, começaram a soar sons de pasta.
- Vovó - Disse Chapeuzinho, chegando ao fim do corredor - Que sons estranhos você...
O terror que a menina viu foi tão grande que sufocou suas palavras.

Em cima da cama, estava o lobo, sujo de sangue, devorando o cadáver da velhinha; estava sem um dos braços e sua barriga estava aberta.
Chapeuzinho soltou um grito, enquanto o lobo olhava para ela famintamente. Logo, o corredor, a sala e a soleira passaram correndo pela menina, e a floresta voltava a se aproximar.
Os galhos e os gemidos começaram a persegui-la.
- Socorro! Sapo, Mariposa! Preciso de ajuda!
Mas ninguém respondeu. Nenhum sapo falou.
"Sapos não falam, menina tola"
Nenhum bater de asas de mariposas.
"Mariposas nunca irão responder, minha filha!"
- Não! - Gritou Chapeuzinho.
O farfalho voltou à Floresta.
- Estou com medo!
Gritos, lágrimas.
- Venham me buscar!
Pânico.
- Por favor, alguém! - Berrou a menina.
Mas a única resposta foi um uivo.
Chapeuzinho gritou e chorou
- Mamãe, vovó! Venham me salvar!
"Mamãe estava triste; vovó está morta"
A menina gritou e chorou mais alto, mas apenas o lobo a ouviu.
Um último uivo ecoou, e logo a floresta não chorava mais.