Existe algo notório sob a Cartola preta – Parte 3
O Público delirava. Pierre mal conseguia conter o sorriso. A carnificina seria tão divertida dessa vez...
Enquanto o apresentador permanecia com os braços abertos, ouvindo os aplausos, Mosster saiu de trás da lona. Diferente dos outros artistas, Mosster não era somente pálido; era literalmente branco. Ele tinha desenhos de triângulos negros ao redor dos olhos densos e sua boca era preta. Usava uma roupa social cor de vinho e, por cima, um sobretudo.
Pierre esperou-o se aproximar, então o apresentou com a mão.
"Apresento-lhes, o Mágico Mosster!"
O Público se levantou para aplaudir. Sua hipnose ficava cada vez mais forte, estavam delirando de tão maravilhados com os figurinos e os atos. Vendo que talvez fosse demorar, Pierre fez um sinal com a mão para que os aplausos se cessassem. As palmas pararam imediatamente, como se todas as mãos tivessem sido cortadas ao mesmo tempo. O Público se sentou de forma homogênea. Apenas algumas conversas paralelas perduraram.
"Quem da platéia gostaria de se voluntariar?" Perguntou Pierre. Ele sorria de uma Piada que vinha a seguir.
O Público grunhia baixo, enquanto alguns corajosos levantavam a mão.
"Este gentil Senhor" Indicou Pierre; observou o homem descer a escada até o picadeiro e lá, lhe perguntou "Qual o seu nome, bom homem?"
"Sr. Jones" respondeu o homem timidamente.
Pierre abriu um sorriso e agradeceu num volume quase inaudível. Então olhou para o Mágico e acenou com a cabeça, antes de voltar-se para o Público novamente.
"Senhoras e Senhores! Nosso bom Sr Jones vai nos ajudar essa noite! Por mais assustador que pareça, é essencial que todos mantenham a calma! Ele está nas mãos de um profissional!" gritava Pierre, apontando para o Mágico. Internamente, Pierre se contorcia para não gargalhar quando olhava para Mosster; este se mantinha sereno, apesar de também segurar os sorrisos maliciosos.
O voluntário foi levado até um caixão de madeira negra, sendo fechado lá pelo Mágico. Pierre se afastou para a lona, mas continuou com os olhos frenéticos para a cena.
Era apenas Mosster e o caixão agora no picadeiro.
O caixão fora trancado. Não tinha como sair.
Silêncio.
Todos observavam.
O Mágico tirou seu sobretudo e lançou-o no ar. Antes que este caísse ao chão, Mosster girou com os braços esticados, tirando de dentro do sobretudo, ainda no ar, dois floretes.
Apenas o som do tecido encontrando o chão ecoou.
O Mágico aproximou-se lentamente do caixão...
O primeiro flash.
Gritos de susto e hesitação. Um brilho rasgou o picadeiro antes de ser enterrado na superfície de madeira.
Silêncio.
Respirações ofegantes, apenas.
Mosster avaliava a sua obra com a arma em mãos.
E o segundo flash, seguido de mais gritos de hesitação e pavor, intercalados com mais um rasgo de metal perfurando a superfície num baque oco. O segundo florete fora enterrado no caixão. Atravessavam-no agora.
O Mágico fez o sinal. Duas meninas pálidas mascaradas saíram de trás da lona e levaram o caixão embora.
"Mais voluntários, por favor" pediu ele.
O Público estava imóvel. Os olhos arregalados, brilhando na escuridão. Levou minutos até novas mãos se levantarem.
"A menininha, por favor" apontou Mosster.
Era uma menina de cachos loiros e olhos azuis. Não devia passar dos 8 anos. Seus olhos quase brilharam tanto quanto seu sorriso. Ela desceu saltitante a escada para o picadeiro.
"Qual o seu nome, meu bem?" perguntou Mágico.
"Gina" respondeu a menina inocentemente. Mosster sorriu. Ele andou calmamente até seu sobretudo ao chão, ergueu-o, balançou-o um pouco. Afastou as mãos, e em cada uma, agora tinha um sobretudo. Não um no total; dois. Um em cada mão.
Os olhos do Público voltaram a brilhar, e alguns aplausos fracos saíram do fundo.
Mosster deixou um no chão, como um círculo preto e pediu gentilmente para Gina ficar sobre ele, enquanto ele vestia o segundo.
Gina parecia confusa. Mosster apenas sorriu.
Num movimento, ele encobriu todo o corpo com o sobretudo, deixando uma massa preta de tecido em seu lugar. A vestimenta caiu seca ao chão, sem mais ninguém no seu interior.
Silêncio.
Logo as perguntas "Onde ele foi?" "Cadê ele?"
Gritos.
Não gritos de hesitação; gritos de susto.
No Público, uma forma branca, que corria como um facho de luz apressado entre as pessoas. Encobria algumas selecionadas com sobretudos pretos, iguais ao primeiro, que em seguida, assim como o que acontecera com o Mágico, caíam vazios ao chão. O Público diminuía, perdia espectadores sem terem se movido voluntariamente.
Gritos de susto. Olhares ansiosos para os lados.
Logo, as perguntas de até onde aquilo fazia parte do número; estava acendendo uma chama de indignação; mas esta não conseguia queimar, pois ao mesmo tempo, estavam todos hipnotizados, ansiosos pelo menos para ver o fim do número.
Ansiosos...
Os olhos procuravam alguém no Público, mas não tinha mais nada ameaçador. Então voltavam-se para o picadeiro, onde Gina permanecia inquieta sobre o sobretudo.
Silêncio.
Foi quando o sobretudo abaixo dela subiu, como se preso por cordas pelas pontas, engolindo a pequena menina como uma boca obscura saída do chão. Uma massa disforme de tecido preto. Então, o sobretudo caiu, vazio.
Havia sobrado cerca de 2/3 do Público. E todos os olhos estavam pasmos; tão surpresos, que não puderam dar atenção aos gritos de pavor que seus corações davam, implorando para saírem dali o mais rápido possível.
Um alto barulho começou, vindo do teto obscuro. Não se via o que acontecia com clareza, apenas vultos das colossais engrenagens girando e sons de facas fatiando.
Barulho de ferrugem. Barulho de gigantescas partes de ferro se encontrando. E gritos vindos das máquinas. Gritos de dor.
Silêncio no Público que restava.
Silêncio agora nas máquinas.
O silêncio agora devorava tudo. A indignação, a dúvida, a ansiedade.
O sobretudo largado no centro do picadeiro começou a tremer. Do teto, um último barulho de máquinas.
Os olhos buscavam algo para olharem, quase desesperados. O barulho mecânico continuava.
Logo, braços se levantaram, apontando para algo que descia lentamente do teto: O caixão de madeira de antes, preso pela parte de cima por correntes.
Mais mãos apontaram, agora para baixo. O sobretudo subia no ar, como se preso por fios de nylon.
Subiu até encontrar o caixão, que parara a muitos metros do chão. Subiu mais um pouco, e então caiu vazio em cima dele.
Silêncio.
Respirações ofegantes.
O tecido preto se mexeu novamente, agora criando massa, ficando alto como um homem. Então se abriu, e ecos de surpresa encheram a cena. De dentro do sobretudo, saiu Mosster, abrindo os braços e se equilibrando em cima do caixão.
Aplausos explodiram. O Público se levantou frenético, gritando e assoviando.
Tambores e cornetas tocaram uma música para encerrar o número.
O Público delirava.
Então o caixão se abriu, e as palmas cessaram.
Dentro do caixão, estava o cadáver do Sr Jones, mutilado. O corpo despencou de lá de dentro, caindo de metros de altura, até fazer um baque pastoso no chão de terra.
Os olhos se arregalaram.
Então o caos começou. Gritos de medo. Alvoroço. Pessoas se empurrando, desesperadas para sair.
Um clanque ecoou do teto.
Caíram sobre o público, os cadáveres mutilados dos espectadores que foram capturados. Estavam pendurados, presos por cordas nos pescoços.
O caos piorou. Gritos, choro, violência. As pessoas agora estendiam a mão, com lágrimas escorrendo por seus rostos. Lutavam contra os cadáveres que se punham em seus caminhos. Parentes, amigos, namorados... Todos agora frios e cheios de cortes, pendurados pelo pescoço.
"Para que a pressa?" Gritava Pierre. Sua voz estava satisfeita. "Agora que os Palhaços iam entrar!"
Pessoas soluçavam de medo. O terror se alastrava entre a massa de corpos que andava lentamente tentando sair de qualquer maneira da arquibancada.
"Agora é hora de nos divertimos!" Ecoava a voz de Pierre pelo picadeiro. "Que entrem os Palhaços!"
As poucas luzes se apagaram por completo.
A escuridão reinou.
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